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Cirurgia linfática

A cirurgia linfática moderna, embora praticada há mais de duas décadas, é na sua grande parte ainda experimental. Isto é devido ao facto de terem sido realizados relativamente

Ana Catarina Hadamitzky. PhD

poucos estudos científicos no que diz respeito aos resultados e indicações clínicas para estas intervenções. Em regra geral, a cirurgia linfática está mais bem estudada para linfedemas secundários (por exemplo depois de um tratamento de cancro) do que para linfedemas primários (de origem genética, e surgindo frequentemente em idade infantil). Assim, há determinados parâmetros clínicos e radiológicos que deixam pressupor boas hipóteses de melhoramento através de uma intervenção cirúrgica. O problema é que não há soluções universais para o linfedema. Dependendo das causas, do grau de fibrose dos vasos e do estado clínico do doente há diferentes cirurgias que podem ser necessárias. Devido à complexidade técnica das diferentes operações possíveis, só raros centros na Europa oferecem todo o espectro da cirurgia linfática (sabem fazer todas as operações possíveis). A grande parte dos centros dedicados à cirurgia linfática oferece um só tipo de cirurgia, pelo que cabe atualmente aos doentes avaliar previamente qual será o tipo de intervenção que lhes pode trazer benefícios.

A primeira avaliação que o doente deve fazer, é perguntar-se se de facto deseja uma intervenção cirúrgica. A terapia sintomática do linfedema, consistindo numa compressão de classe III sob medida e drenagem linfática em intervalos regulares, higiene cutânea, mantimento do peso através de uma alimentação equilibrada assim como  exercícios, pode ser uma opção bem tolerada. Se a/o doente pensar que não se importa de viver da forma necessária para manter o linfedema sob controlo, então nao há necessidade de uma intervenção cirúrgica.

No caso de haver um grande desejo de tentar melhorar o linfedema através de uma intervenção cirúrgica, então deverão ser considerados os seguintes fatores:

Bons candidatos para um transplante de gânglios linfáticos em retalho livre (gânglios linfáticos do próprio corpo transplantados sob o microscópio) são doentes com um linfedema secundário a uma cirurgia de um tumor em que tiveram de ser retirados os gânglios linfáticos que drenavam o tumor, ou doentes que tenham sido tratados com radioterapia. Importante é que esses doentes estejam livres do tumor, ou seja, tenham sobrevivido ao cancro e não tenham mais nenhum tumor ativo. Por vezes um agravamento do linfedema pode ser um sinal de que o cancro voltou. Para esta cirurgia é necessária uma longa anestesia geral, pelo que a intervenção só pode ser realizada em doentes que não tenham doenças graves que impeçam esta anestesia. Se o linfedema estiver num grau avançado, então não pode ser curado, só melhorado pela cirurgia. Os casos de cura só acontecem em 40% dos casos de linfedema grau II (graus da sociedade internacional de linfologia). Este tipo de transplante pode ser combinado com uma reconstrução mamária com tecido da barriga feita em simultâneo na mesma cirurgia.

Bons candidatos para uma anastomose linfo-venosa em supermicrocirugia (só a nível capilar! Nao as anastomoses linfo-venosas a nível dos grandes colectores praticadas pela escola italiana que têm muito maus resultados nos estudos clínicos prospectivos mas continuam a ser praticadas às centenas) são linfedemas primários ou secundários de baixo grau ou bastante localizados (por exemplo só mama, ou só dorso da mão) que ainda tenham actividade linfática funcional no exame com verde de indocianina (Máquina PDE – ainda não existente em Portugal – 2015 – mas disponível nos centros europeus dedicados ao linfedema). Em casos de linfedema do membro inteiro terão de ser realizadas múltiplas anastomoses para ter um resultado geral pois as supermicrocirúrgicas só afetam cerca de 10 cm de tecido à volta do sítio onde se fez a anastomose. Esta cirurgia pode ser feita com anestesia local do membro e é por isso também adequada para doentes que não estejam em medida de receber uma anestesia geral.

Bons candidatos para uma lipectomia de Brorson são linfedemas muito avançados que já não tenham possibilidades de cura, e que estejam bem tratados com a terapia conservadora de forma a já não terem componente líquida (ausência de marca na pele quando se empurra o polegar durante um minuto contra o edema – sinal de godet). Como o linfedema causa uma inflamação permanente dos tecidos , dá-se uma deposição de gordura que não sai com a drenagem linfática e com a compressão. Por isso pode fazer-se esta cirurgia paliativa. Depois da cirurgia os doentes tem de fazer compressão do membro tratado até ao fim da vida, dado esta intervenção ser dirigida à redução de volume, e não ao tratamento da causa do linfedema. Mas permite uma redução drástica com adaptação de compressão adequada e bons resultados a longo termo para doentes que cumpram religiosamente a obrigatoriedade de compressão pós –operatória.

Também é de citar que a lipossucção é a terapia de eleição nos casos de lipedema, mas não a lipossucção normal com cânulas de 1 cm de diâmetro, mas sim a liposucção linfática que previne o aparecimento de linfedema à posteriori.

É também importante considerar a terapia cirúrgica das feridas em contextos de linfedema, que, quando bem feita, permite salvar os doentes de uma amputação.

Depois em casos selecionados podem ser aplicadas soluções mistas como o uso de anastomoses linfo-linfáticas em combinação com os retalhos ou tratamento por lipossucção localizada depois de restabelecimento da função linfática por outra cirurgia. Mas isso são decisões mais complexas que têm de ser tomadas no contexto individual.

O mais importante para cada doente com linfedema é o desejo de se informar. O linfedema, assim como o lipedema e algumas malformações vasculares congénitas, são um grupo de doenças que entraram no século XXI sem ter uma terapia estabelecida. Por isso, muitas vezes os doentes estão muito melhor informados que os seus médicos. Mas enquanto cidadãos europeus, os Portugueses têm o direito a receber cuidados de saúde em qualquer país da união Europeia, desde que se trate de uma intervenção que não pode ser oferecida em Portugal, ou que não venha a estar disponível num intervalo de tempo compatível com o estado de saúde do doente. A lei europeia estabelece o direito dos cidadãos com seguros de saúde públicos a receberem assim cuidados noutro estado membro. Para isso tem de ser feito um contacto individual e exposição do caso junto dos responsáveis do serviço nacional de saúde, e depois de aprovação será emitido um formulário E112 ou S2 para uma determinada intervenção e por vezes para um determinado médico. Esse formulário terá de ser entregue então à seguradora do país para onde se pretende viajar (se houver várias pode-se escolher). E depois o doente pode ir ao centro que escolheu e ser tratado no âmbito coberto pelo seguro público.
No caso de seguros privados é muito menos complicado, basta pedir um orçamento para uma determinada cirurgia ao hospital para onde se pretende ir, e depois submeter ao seguro, é aprovado, e o doente vai.

 

Texto de:

Ana Catarina Hadamitzky, PhD

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